Se você já se perguntou como estão os preços da Argentina, a resposta é simples: a Argentina ficou mais cara para o turista estrangeiro.
E mais cara especialmente para nós, brasileiros.
Recentemente, vários vídeos têm circulado na internet mostrando algumas aberrações de preços de produtos na Argentina comparados aos mesmos itens no Brasil.
Exemplos disso incluem:
- Leite integral (1L): R$ 8,00
- Coca-Cola Zero (2,25L): R$ 22,89
- Pão de forma simples (Carrefour): R$ 21,90
- Heineken (473ml): R$ 14,60
- Pepsi Black (2L): R$ 16,75
- Pacotinho de Oreo triplo: R$ 28,50
- Condicionador Dove (400ml): R$ 32,00
- Água com gás mais barata encontrada: R$ 12,00
- Óleo de girassol (900ml): R$ 13,00
Recebi um desses vídeos por mensagem no Instagram, acompanhado do comentário: “Tá vendo? O Milei está destruindo a Argentina”.
Mas será que é isso mesmo que está acontecendo?
A verdade é que a Argentina está vivendo extremos.
Em 2023, o país enfrentou um cenário, e, em 2024, experimentou exatamente o oposto.
Sim, a Argentina ficou mais cara, em alguns casos muito mais cara do que imaginávamos.
Porém, em 2023, especialmente no segundo semestre, a Argentina era absurdamente barata, chegando a ser considerada ridiculamente barata em alguns casos.
Mas por que isso aconteceu?
Basicamente, três fatores explicam essa transformação:
- A liberalização de preços promovida por Javier Milei, assim que assumiu o governo em dezembro de 2023
- A valorização do peso argentino ao longo de 2024
- A desvalorização do real brasileiro, especialmente no final de 2024
Para entender como esses fatores se conectam, precisamos analisar o que aconteceu, tanto em 2023 quanto em 2024, sob a perspectiva dos turistas.
A realidade em 2023: uma Argentina ridiculamente barata
A partir de julho de 2023, os preços na Argentina estavam subindo devido à inflação elevada, que chegou a ultrapassar 100% ao longo do ano.
No entanto, o câmbio começou a descolar rapidamente. Enquanto o câmbio oficial era controlado pelo governo, o mercado paralelo — conhecido como dólar blue — apresentava um ágio de mais de 100%.
Em julho de 2023, eu mesmo pude presenciar isso quando visitei o país.
Para os brasileiros, era um momento excelente e uma grande oportunidade. Apesar da inflação alta, os preços em pesos ainda não tinham disparado tanto, e o câmbio paralelo estava extremamente desvalorizado.
Por exemplo, no segundo semestre de 2023, o dólar blue saltou de 500 pesos por dólar, em julho, para 15.000 pesos por dólar, nas vésperas da eleição presidencial.
Isso representou uma desvalorização de 200% da moeda argentina em poucos meses. No entanto, os preços internos em pesos demoraram a acompanhar esse movimento, criando uma arbitragem momentânea.
Para os turistas, isso significava que era possível comprar muito mais com a mesma quantidade de reais ou dólares.
A Argentina se tornou um destino incrivelmente barato, onde era possível gastar muito menos do que no Brasil.
O cenário em 2024: Argentina cara e a inversão total
Com a posse de Javier Milei em dezembro de 2023, a situação mudou completamente.
Milei liberalizou os preços, eliminando controles que mantinham produtos artificialmente baratos.
Além disso, ele desvalorizou o câmbio oficial, que passou de 400 pesos por dólar para 800 pesos por dólar, com uma desvalorização programada de 2% ao mês (o chamado crawling peg).
Essas mudanças geraram um aumento imediato nos preços internos, com a inflação disparando no início de 2024, alcançando quase 300% ao ano.
Paralelamente, o dólar blue, que estava desvalorizado, começou a se fortalecer.
A expectativa de políticas fiscais e monetárias mais controladas (déficit zero, tanto primário quanto nominal) trouxe confiança ao mercado.
O câmbio paralelo caiu de 15.000 pesos por dólar no final de 2023 para cerca de 1.200 pesos por dólar em dezembro de 2024.
Esse fortalecimento da moeda argentina, somado ao aumento nos preços internos, criou um cenário completamente oposto ao de 2023.
Turistas que chegaram à Argentina em 2024 encontraram produtos muito mais caros e, ao converter suas moedas, percebiam que não conseguiam comprar tantos pesos como antes.
O impacto para os brasileiros
Além da alta inflação na Argentina e da valorização do peso, os brasileiros enfrentaram um terceiro obstáculo: a desvalorização do real.
Em 2024, o real perdeu aproximadamente 27% de seu valor em relação ao dólar.
Isso ampliou ainda mais o impacto dos preços elevados na Argentina, especialmente para turistas brasileiros. A inflação em pesos já era alta, mas, para quem convertia reais, os custos pareciam ainda mais exorbitantes.
A situação dos preços na Argentina em gráficos
A inflação na Argentina não impactou todos de maneira igual, e os gráficos mostram como essa dinâmica mudou drasticamente entre 2023 e 2024.
No segundo semestre de 2023, turistas estrangeiros, especialmente brasileiros e americanos, experimentaram um cenário atípico: momentos de deflação muito forte.
Em alguns casos, houve queda de preços de quase 20% em relação ao ano anterior, graças ao câmbio extremamente desvalorizado no mercado paralelo (dólar blue).
Para os turistas, isso significava que com menos dinheiro era possível consumir mais, aproveitando preços muito baixos.
Essa situação se refletia em hospedagem, alimentação e até produtos nos supermercados, criando a impressão de que a Argentina era o destino mais acessível da América Latina naquele momento.
Porém, em 2024, a realidade mudou completamente. A inflação subiu drasticamente para todos, mas de forma mais acentuada para turistas brasileiros e americanos.
O motivo? Como vimos, houve uma combinação de três fatores:
- A valorização do peso argentino: O fortalecimento da moeda impactou diretamente o poder de compra de quem viajava com dólares ou reais.
- A liberalização de preços: Produtos e serviços, antes artificialmente baratos, sofreram reajustes agressivos.
- A desvalorização do real: Isso agravou ainda mais o impacto para os brasileiros, que já precisavam lidar com os preços mais altos na Argentina.
Os gráficos mostram que a inflação percebida por turistas brasileiros na Argentina foi, em média, 20% maior do que para americanos.
Esse diferencial ocorre porque, além da inflação interna do país, os brasileiros foram prejudicados pela desvalorização do real.
Por exemplo, enquanto um americano ainda podia contar com a força do dólar, que sofreu menos oscilação frente ao peso, os brasileiros enfrentaram um câmbio desfavorável, reduzindo ainda mais o poder de compra.
Essa mudança explica por que muitos turistas, que em 2023 achavam que gastariam pouco para fazer turismo na Argentina, chegaram em 2024 e se depararam com uma realidade completamente diferente.
Aquela “Argentina baratinha” desapareceu, e os custos ficaram muito mais altos, especialmente para quem viajava com reais.
Além de índices gerais de inflação, analisamos produtos isoladamente para entender melhor o impacto.
Nos gráficos a seguir, utilizamos como exemplo o preço do iogurte, mas o mesmo comportamento pode ser observado com qualquer mercadoria.
Em 2023, os preços em dólares e reais eram extremamente baixos devido ao câmbio desvalorizado, criando um cenário de turismo barato.
Já em 2024, esses preços dispararam, refletindo a inflação interna, o fortalecimento do peso e o enfraquecimento do real.
Argentina vive uma transição econômica atípica com Milei
Hoje, a Argentina está em um período de transição e estabilização econômica.
Esse processo ainda é atípico, mas há sinais de melhora.
A inflação mensal, que já foi altíssima, caiu para 2,4% ao mês em novembro de 2024, o menor patamar em muitos anos.
O país saiu de um extremo de preços controlados e câmbio desvalorizado para outro extremo, de câmbio fortalecido e preços livres.
A tendência é que, nos próximos meses, tanto a inflação quanto o câmbio se estabilizem.
No entanto, é importante destacar que não é apenas a Argentina que está se ajustando.
Os brasileiros também estão sentindo os efeitos de um processo de empobrecimento, resultado direto da desvalorização do real.
Quando nossa moeda perde valor, nosso poder de compra diminui, o que inevitavelmente afeta a inflação no Brasil e o custo de vida da população.
Infelizmente, esse é o legado de 2024 para o Brasil: bagunça fiscal, desarranjo macroeconômico e descontrole econômico.
Enquanto isso, a Argentina caminha para um cenário de maior controle fiscal e estabilização econômica, com políticas mais rígidas implementadas pelo governo Javier Milei.